sábado, 21 de fevereiro de 2009

A beleza de Joshua Slocum










Orinoco Flow (Sail Away) - Enya

Noite agradável do último dia 19 de Fevereiro,

bate papo gostoso com amigos na mesa nova da sacada,

com bom vinho e ventinho do mar,

eu conheci este personagem que de imediato me encantou:


JOSHUA SLOCUM

Ele foi a primeira pessoa a fazer uma circunavegação do globo em solitário,

tinha mais de 50 anos , não sabia nadar

e saiu navegando simplesmente porque

não tinha nada melhor para fazer!


A aventura foi no seu veleiro Spray,

construído por ele mesmo,

a partir de um barco abandonado que ganhou de um amigo,

que não tinha motor, GPS,

nem nada das atuais parafernálias eletrônicas,

e nem mesmo um banheiro!

Seus únicos "instrumentos"eram uma espingarda

e um relógio de lata sem um dos ponteiros ,

usado para o cálculo da longitude, com uma precisão notável.


O Capitão Joshua Slocum, nasceu em 20 de Fevereiro de 1844,

(coincidências existem? Essa conversa aconteceu exatamente 165 anos o seu nascimento!)

em Wilmot , Nova Escócia,Canadá.

Trabalhou na marinha mercante desde seus 12 anos
e naturalizou-se americano em 1869,

quando fixou residência em São Francisco.


Slocum tinha uma relação curiosa com o Brasil,

que é anterior à viagem que o consagrou.

Ao fazer um frete na rota Rio de Janeiro - Buenos Aires,

no comando do Aquidneck, carregado de madeira,

seu barco encalhou em Paranaguá,

sem chances de recuperação.

Slocum não teve escolha ,a não ser pagar a tripulação

com o que pudesse ser salvo do barco.

Isto aconteceu em 1888, e

Slocum se viu sem barco e sem dinheiro,

com uma esposa e dois filhos,

e em terra estrangeira.

Ao invés de sentar à beira do mar e chorar,

Joshua resolveu construir um barco

ele mesmo, com o que pudesse juntar dos restos

do navio encalhado, e com a ajuda

dos negros escravos que ali viviam.

No mesmo dia em que seu novo barco ficou pronto

( seria este o mais famoso barco parnanguara de que se tem notícia ?)

Joshua ficou surpreso com a grande festa que os negros faziam

e soube que neste dia havia sido assinada a Lei Áurea.

Batizou seu barco de Liberdade, assim mesmo em Português,

para homenagear aqueles que tanto o ajudaram

na realização do quase impossível sonho

de construir , sem dinheiro, um barco em terra estrangeira


fotografia do Liberdade


Slocum definia o Liberdade como uma canoa,

o que era certamente muita modéstia da sua parte,

visto que o Liberdade o levou e à sua família ,

de volta aos EUA em uma viagem

sem muitos sobressaltos, no final da qual sua (segunda) esposa

o abandonou, dando um certo reforço

ao significado do nome do barco...


Tripulação do Liberdade: Capitão Joshua Slocum, Hettie, Garfield e Victor


No final de 1893, Slocum retornou ao Brasil,

desta vez como piloto da canhoneira Destroyer,

que tinha sido adquirida pelo governo brasileiro

junto aos Estados Unidos para combater a Revolta da Armada

sendo assim, um dos barcos da chamada "esquadra de papelão"

Slocum foi contratado para entregar a mercadoria e

conduziu a Destroyer até o porto de Salvador,

onde autoridades brasileiras assumiram o comando.

O barco naufragou momentos depois,

antes mesmo que seus novos tripulantes conseguissem sair do porto.

E assim Slocum nunca recebeu um tostão pelo serviço...

Ao retornar aos EUA, não conseguiu se readaptar

e reorganizar sua vida, tendo ficado tanto tempo

ausente em um período de grandes mudanças no

mundo, não era considerado capacitado

para ser o capitão dos novos navios a vapor.

Foi então presenteado por um amigo e antigo colega,

com um velho veleiro de 37 pés,

que há muito apodrecia longe d'água,

para que o reformasse e usasse para fazer

pequenos fretes e assim pudesse ganhar a vida.

Slocum reconstruiu tábua por tábua

o barco de origem obscura,

supostamente um antigo barco que pescava ostras

e tinha linhas semelhantes aos pesqueiros do Mar do Norte.

Batizou-o de Spray


Assim que o colocou na água,

deu-se conta de que não tinha nem vocação para pescador

nem para ficar fazendo pequenos fretes

em troca de um prato de comida.

Assim foi que decidiu sair para o mundo

Literalmente.



mapa do trajeto da circunavegação feita por Slocum


Partiu de Fairhaven, perto de Boston,

em abril de 1895, atravessando o Atlântico em direção a Gibraltar.

modelo do Spray

Para evitar piratas,

o Spray alterou a rota previamente planejada,

seguiu para a América do Sul e de lá

refez a rota de Magalhães em uma viagem que durou três anos.

Dessa viagem surgiu um dos maiores clássicos da literatura náutica,

o livro que relata a aventura,


Sailing alone around the world

Apesar da maioria dos leitores

considerá-lo equivocadamente um livro infanto-juvenil,

Sailing Alone Around The World já foi descrito como o melhor livro

feito por alguém que não tinha a pretensão de ser escritor.

Há passagens antológicas, como a que

Slocum conta que gostava de jogar latas vazias n'água,

pois o brilho delas sob a luz do sol atraía tubarões,

que prontamente recebiam um tiro de espingarda

assim que abriam a boca para devorar a isca de metal.

( Deliciosamente politica e ambientalmente incorreto!)

O então presidente da África do Sul,

Kruger, e seu staff tentaram convencer Slocum

de que o mundo era na verdade plano e não esférico

e que portanto, sua viagem era impossível.

Em todos os portos que chegava , Slocum provocava

grandes dúvidas nas pessoas,

que não acreditavam que este navegador

solitário tivesse realmente navegado

milhas e milhas, em um barquinho de madeira

feito no fundo de um quintal.

Slocum foi atacado diversas vezes pelos índios da Patagônia

em sua travessia do Estreito de Magalhães.

Para se defender, o capitão contava com,

além de sua fiel espingarda matadora de tubarões,

um engenhoso sistema de alarme noturno:

Ao se recolher, ele espalhava diversos pregos,

desses de prender carpetes, pelo convés.

Alguns "selvagens" tiveram o azar de pisar nesses pregos,

que fariam "um bom cristão apitar"

e os fizeram "uivar como uma matilha de cães"

Slocum alegava ter a companhia do fantasma

do piloto da nau de Colombo, Pinta,

que era quem mantinha o curso do Spray estável.

Em um trecho do livro, o fantasma surge diante dele pela primeira vez

durante uma tempestade,

fruto da alucinação derivada do consumo

de leite de cabra com ameixas dos Açores.

Enquanto Slocum se contorcia de dor de barriga em sua cabine,

o piloto da Pinta conduzia o Spray em segurança

e caçoava do estado lastimável do capitão.


Ao chegar a Samoa,

uma canoa cheia de garotas nativas veio recebê-lo,

cantando músicas locais.

Seguiu-se o diálogo:

-Talofa Lee (algo como "Amor para você")

- Amor para vocês.

- Você vem sozinho?

- Sim.

- Eu não acredito. Você tinha outros tripulantes, mas os comeu.

- Por que você veio de tão longe?

- Para ouvir vocês cantar

Para escrever seu livro,

Slocum não teve pretensões literárias ou científicas,

não partiu em uma utopia particular,

tampouco foi obrigado pelo compromisso formal com um patrocinador.

Em tempos onde proliferam projetos

envolvendo centenas de milhares de dólares

em equipamentos e patrocinadores,

o relato de Slocum é um lembrete de que

grandes planos dependem mais de força de vontade

e de conhecimento do que de financiamento.

Mordido pelo bicho-da-viagem,

que impede suas vítimas de ficar parado no lugar,

o Capitão Joshua Slocum partiu em 1909

em mais uma viagem em solitário,

com destino ao Rio Orinoco,

quando desapareceu em circunstâncias desconhecidas.

Rio Orinoco

Fica sua recomendação ,

"para jovens contemplando uma viagem, eu diria: partam."

Agradecimentos:


Joshua Slocun Society International
Joshua Slocum . net

Crônica do Explorador Deitado na Rede

Wikipedia

e principalmente ao Daniel

que me contou essa história,

meu muito obrigada!

8 comentários:

Luiz Borges disse...

Os Slocums e os Shackletons parecem fazer parte de nossa imaginação exploradora. Que maravilha de postagem! Espero te encontrar em breve em Nova York, assim que o pessoal do Endurance for resgatado neste final-de-semana. Um beijo do seu Filósofo-de-Pijama ainda em Port Stanley...

Anônimo disse...

Vejam como são as coisas!
Já em 1.888 se encalhava para entrar em Paranaguá. Vai sair na Gazeta que foi culpa da APPA. rsrsrsr

Beijos (no Gafa, abraços)

Ivo e Fátima disse...

Esqueci de assinar, mas você sabe quem era aí em cima.

Ivo

Ana Balbinot disse...

Ivo,
Ainda bem que os ladrões não levaram o seu senso de humor!
Beijos e boa sorte

Daniel Lucio Oliveira de Souza disse...

Ana,

Fiquei emocionado com a postagem e a referência a mim.
Papos "de sacada tomando vinho com brisa no rosto" são os melhores da vida, e com amigos especiais como você o o Luiz .... é impagável.
O papo sonre o JOSHUA SLOCUM só rolou pela agradável companhia.
Quando meu modesto SPRAY II estiver pronto da reforma, vocês serão convidados especiais a uma velejada até o local onde nosso herói perdeu seu querido AQUIDNECK na Baía de Paranaguá e ... onde a saga dele então começou.
Obrigado.
Daniel

Ana Balbinot disse...

Valeu Daniel! Vamos adorar o passeio!
Bjs

Anônimo disse...

Ana,

Parabens por ter captado ideia de Slocun com tanta intensidade.
Em 2000 apòs ler a saga de Slocun resolvi contruir um spray seguindo a planta existente seu livro.
Foram dois anos de pequisa e ansiedade para saber se o barco realmente tinha as qualidades marinheiras tão elogiadas pelo Slocun.
Apòs a primeira velejada senti que eram verdadeiros os relatos sobre o barco,que contaminaram os discípulos de Slocum.
Se quizer ver meu barco,venha a Vitória que será um prazer .
No meu Orkut (meio desatualizado) exitem fotos dele.

Atenciosamente

Luiz Antonio de SantAnna



lasantanna@unimedvitoria.com.br

Ana Balbinot disse...

Oi Luiz Antônio!
Obrigada pela visita e pelo comentário tão gentil! Fico imaginando a emoção que você deve ter sentido ao velejar pela primeira vez em um veleiro construido por você mesmo e ainda por cima, a cópia do Spray! Vou tentar entrar no seu orkut para ver as fotos.
Apareça sempre!